Estive no inferno e não gostei
Por João Pedrosa
"Era um final de tarde e o lusco-fusco avermelhava o céu da praia de Boa Viagem anunciando a chegada da noite. Estávamos voltando do colégio e o ônibus escolar estava cheio, na sua grande maioria de garotos adolescente de famílias de classe média. Eu tinha 14 anos de idade, cheio de entusiasmo pela vida e naquele momento pensava na beleza da natureza admirando aquelas pincelas vermelha-alaranjadas no céu. Planejava o que fazer no dia seguinte, iria ao cinema. Mas, vendo aquele céu avermelhado e a brisa batendo no meu rosto, com a cabeça encostada no poltrona do ônibus, comecei a lembrar dos sermões dos padres do Colégio Marista. Lembrei-me do inferno. Como seria o inferno? Tinha aprendido que lá era o lugar dos pecadores, das pessoas que fazem o mal, era a morada do Demônio. Lembro, que comecei a construir a imagem mental de alguém de chifres com um rabo em forma de seta e não terminei, pois o chiado forte dos freios do ônibus anunciava que ali iria desembarcar alunos. Só que o ruído fora acompanhado por uma gritaria infernal e vi passar pela minha cabeça dezenas de bolas brancas de papel, casca de banana, tênis ... e xingamento, muito xingamento: veado filho-da-puta, mariquinha, bate nessa bicha, mulherzinha ... fiquei paralisado de encontro à poltrona vendo aquela cena: o adolescente M. sendo segurado pela camisa por um dos colegas, tentando saltar do ônibus, enquanto era destratado, chutado e atingido por objetos. Foi um choque ... minha mente ficou em estado de torpor... via as imagens em câmara lenta ... o motorista puxando M. e gritando com os demais, pedia disciplina. Foram mais ou menos 2 minutos de gritaria, humilhação e selvageria. Lembro que fiquei paralisado por um bom tempo. Não desci no meu ponto de ônibus, pois imaginei que eu seria o próxima a ser linchado. Desci perto do Aeroporto dos Guararapes e caminhei a pé, pela Avenida Santos Dumont, até minha casa. Fiquei mal durante dois dias. Ia para o quintal de casa e chorava sozinho. Havia descoberto a maldade humana e senti-me traído pelos padres marista, pois passei a ter a convicção que o inverno existe sim, mas é aqui na Terra e eu estive lá e não gostei. O Demônio era de carne e osso e chama-se ignorância, intolerância e falta de humanidade que cada um carrega dentro de si. Fiquei sabendo, pelo motorista, que o adolescente M. morreu dois meses depois do linchamente. Cometeu o suicídio enforcando-se no banheiro de sua casa. Um adolescente que fora vítima da homofobia. Este acontecimento teve muita repercussão na minha vida. Aos 14 anos comecei a rever conceitos, crenças e duvidar muito do que a televisão, os professores e os padres vendiam para mim como verdades."
(Depoimento enviado por Romero - Engenheiro Civil - Recife P.E.)
Raízes da homofobia.
A palavra homofobia começou a ser divulgada por George Weinberg (http://www.pflagdetroit.org/george_weinberg.htm) em 1972 no livro de sua autoria "A Sociedade e ohomossexual Saudável". Esta palavra de origem grega (homos: o mesmo e phobikos: medo ou aversão a algo), passa a ser largamente usada na literatura para designar a opressão premeditada ao homossexualincluíndo ódio, medo, preconceito, discriminação, assédio moral, abuso verbal e violência física. Já existe uma pequena produção de teses a respeito do tema. Historiadores, psicólogos, sociólogos e antropólogos estudam o assunto procurando evidenciar as origens e os danos causados pela homofobia. Quando estudamos alguns destes trabalhos científicos, encontramos o eixo central que deu origem a homofobia na história da humanidade, que foi a influência das religiões na nossa formação sócio-cultural. Portanto, a homofobia é um fenômeno social, pois a ciência acredita que provavelmete não existirá o gen da homofobia, como não deverá exitir também o gen do racismo.
Sua origem está relacionada aos dogmas de três religiões fundamentalista, de grande importância na nossa formação sócio-cultural, o cristianismo (religiões baseadas nos ensinamento de Jesus Cristo; cotolicismo, protestantismo e religiões ortodoxas orientais), o judaísmo e o islamismo. Quando filtramos a interpretação dos livros sagrados feita pelas pessoas que falam oficialmente em nome destas religiões, chegamos a mesma raiz: a homossexualidade é antinatural e não promove a vida, ou seja só é admitida a relação sexual entre homens e mulheres heteros, pois estes irão originar novas vidas.

As argumentações são inúmeras. A concepção do cristianismo e do judaísmo ortodoxo são semelhantes, utilizam argumentos que vão por vários caminhos mas chegam ao mesmo ponto. Entendem ahomossexualidade como aberração, adominação, não é uma condição natural do ser humano.

Já para o islamismo a homossexualidade é vista como pecado e desvio da norma, é portanto contra as leis do islã. Existe um consenso entre os estudiosos do islã que todos os humanos são naturalmente heterossexuais. O grupo internacional de mulçumanos GLBT - gayslésbicas, Bissexuais e Trangêneros - Al-Fatiha (http://www.al-fatiha.org) estima que cerca de 4.000 homossexuais foram executados, só no Irã, desde a revolução de 1979.
Para o Dr. Gregory M. Herek (http://psychology.ucdavis.edu/rainbow/html/bio.html), psicólogo e cientista da Universidade da Califórnia de Davis, que fez uma investigação extensa sobre as atitudes em relação aoshomossexuais, o maior grupo de pessoas que são contra os homossexuais são aquelas para a qual eles "representam o sinônimo do mal...essas pessoas acham que odiar homens homossexuais e lésbicas é o teste último que prova serem uma pessoa de moral...freqüentemente agem por aderência a uma ortodoxia religiosa que consideram a homossexualidade um pecado".

No caso da sociedade brasileira, nossa formação é secularmente alicercada no catolicismo, que impreguinou todo tecido social com as concepções homofóbicas: família, escola, literatura, meios de comunicação, etc., formatando o coração e a mente das pessoas. A homofobia, o racismo, o anti-semitismo (ódio ao judeo), etc. é então passada de geração em geração através da história geracional das famílias, que é transmitida a cada um de nós após o nascimento.
Cérebro e homofobia.
A nossa personalidade é fruto basicamente de 3 fatores: herança genética, núcleo familiar e influências sócio-culturais. O nosso cérebro é formatado para receber dados logo após o nascimento. Acredita-se que o período entre 0 a 4 anos de idade é decisivo para alicerçar a base da personalidade. É neste período que começa a formar-se todo repertório emocional de uma criança através do que hoje chama-se alfabetização emocional. Joseph LeDoux (http://www.cns.nyu.edu/home/ledoux), professor do Center for Neural Science New York University diz que nos primeiros anos de vida estabelece-se, através das conexões neurais, um conjunto de lições elementares, baseadas na sintonia entre a criança e as pessoas que cuidam dela. É neste período que a criança, através do exemplo e da imitação do adulto, forma este repertório emocional. Para o psicólogo Daniel Goleman (http://www.eiconsortium.org/members/goleman.htm) "a vida familiar é nossa primeira escola de aprendizado emocional. Nesse calderão íntimo aprendemos como nos sentir em relação a nós mesmos e como os outros vão reagir aos nossos sentimentos ... esse aprendizado emocional atua não apenas por meio das coisas que os pais fazem e dizem às crianças, mas também nos modelos que oferecem para lidar com os próprio sentimentos ... as lições emocionais que aprendemos na infância, em casa e na escola, modelam circuitos emocionais ... a experiência, sobretudo na infância, esculpe o cérebro...que molda tendências emocionais para toda vida; os hábitos adquiridos na infância tornam-se fixos na fiação sináptica básica da arquitetura neural, e são mais difíceis de mudar mais tarde na vida." A homofobia é aprendida logo na infância, fazendo parte do repertório da alfabetização emocional da criança. É neste período que inicia-se a formação do ciclo da homofobia.
Ciclo da homofobia
Como desenvolve-se o ciclo da homofobia?

São três fases: primeira fase - inicia-se na infância, onde ocorre a formação do repertório emocional; segunda fase - irá acontecer com a socialização na escola, com o reforço da homofobia e terceira fase - durante a adolescência, com a ampliação do processo de socialização do adolescente, fechando-se assim, o ciclo.

Todo Ser Humano tem direito à igualdade sexual independente do sexo, gênero, orientação sexual, idade, raça, classe social, religião, deficiências mentais ou físicas.